A Leishmaniose canina ou leishmaniose visceral, doença causada pelo parasita Leishmania chagasi, é sem dúvida a doença zoonótica canina que mais tem despertado recente atenção e cuja prevalência tem aumentado significativamente em várias regiões do Brasil.
O estudo e a monitoria da prevalência desta enfermidade é de fundamental importância para avaliarmos a evolução deste processo epidêmico.
A Leishmaniose Visceral é, primariamente, uma zoonose que afeta outros animais além do homem.
Sua transmissão, inicialmente silvestre ou concentrada em pequenas localidades rurais, já está ocorrendo há algumas décadas em centros urbanos, em área domiciliar ou peri-domiciliar.
É um crescente problema de saúde pública no país e em outras áreas do continente americano, sendo uma endemia em franca expansão geográfica.
É também conhecida no homem como Calazar, Esplenomegalia Tropical, Febre Dundun, dentre outras denominações menos conhecidas.
De acordo com os autores, é doença infecto contagiosa que pode ser classificada como zoonose, pelo fato de ser transmissível dos animais ao homem, e vice e versa.
O agente causal dessa zoonose, é um protozoário, e como tal microscópico.
Tem a forma ovo-arredondada, medindo de 2-4 X 1,5 a 2 micra, e possui além do núcleo um blefaroplasto, porém não possui flagelos.
São várias as espécies desse grupo capazes de causar a doença.
Todas essas espécies de Leishmania já classificadas, têm em comum o fato de necessitarem para se reproduzir e atingirem a forma adulta, passarem por um hospedeiro invertebrado obrigatoriamente um mosquito díptero do gênero Phlebotomo.
Tal característica de exigirem mais de um hospedeiro em seu ciclo evolutivo biológico, lhes conferem em Parasitologia a denominação de parasitas heteroxenos.
Os mosquitos do gênero Phlebotomo, hospedeiros intermediários desses parasitas unicelulares causadores dessas doenças, são vulgarmente chamados no Brasil por Biriguis, Mosquito Palha, Mosquito pólvora ou Cangalhinha, por serem de pequeno porte, medindo em torno de 2 a 3 milímetros, portanto menores que um pernilongo comum.
Tais mosquitos tem hábitos noturnos, atacando suas vítimas para sugar sangue em geral no entardecer e começo da noite, e dessa picada transmitem para o novo hospedeiro (animal ou o homem), a doença, que assume duas formas distintas:
► LEISHMANIOSE CUTÂNEA OU TEGUMENTAR
Essa forma clínica da doença, admite-se ser autóctone do Continente Americano.
Os Índios ceramistas, pré-colombianos do Perú, representam em seus vasos numerosos estados patológicos, de modo que o médico e o historiador encontram nesses “huacos ” possibilidade de identificação de diversas enfermidades. No Peru é essa doença denominada Uta, assim parecendo não haver dúvida a respeito da existência da Leishmaniose tegumentar entre os habitantes da América Pré-colombiana.
No Brasil, já no ano de 1885 foi a mesma observada e identificada ao Botão de Biskra, pelo médico Brasileiro A. Cerqueira.
Em 1895, Breda, na Itália, descreveu-a em Italianos que, de S. Paulo, haviam voltado para sua pátria.
Em 1908, começaram a afluir à Santa Casa de S. Paulo, numerosos doentes vindos das regiões assoladas pela doença, e como em sua maioria fosse procedentes da região Noroeste (Bauru), ficou a doença em humanos conhecida por Úlcera de Bauru.
Apenas em 1909, Adolfo Lindeberg noticiou a descoberta do parasita dessa doença, que ele identificou ao agente causal do Botão do Oriente, descoberta posteriormente confirmada pelos cientistas Brasileiros Carini e Paranhos.
► LEISHMANIOSE VISCERAL – O cientista Brasileiro Carlos Chagas, descobridor de todo o ciclo da doença que hoje leva seu nome (Doença de Chagas), percorrendo nos anos de 1911 e 1912 o Vale do Rio Amazonas, suspeitou da ocorrência do Calazar, nessa região; Nome esse que também é sinônimo dessa forma clínica da doença.
Pesquisas de Evandro Chagas, irmão de Carlos Chagas, também cientista, é inclusive criador de um teste de soro-aglutinação para diagnóstico dessa doença, permitindo identificar as diferentes espécies de Leishmanias.
Essa forma clínica (Visceral), é aquela freqüentemente encontrada entre os animais sensíveis como o cão ou o gato, além da cobaia utilizada em laboratório.
O mosquito hospedeiro intermediário, do gênero Flebótomo ( Phlebotomo), gênero no qual foram já descritos várias espécies (P. Whitmani. P. Pessoai e P.migonei entre outros), ao sugar sangue de um animal (ou do homem) infectado, também se contamina, e em seus intestinos e glândulas salivares esse protozoário se multiplica, sendo então as chamadas formas de leptomonas encontradas no buco-faringe desses mosquitos.
Tais mosquitos, ao sugarem sangue posteriormente, pelo fato de por assim dizer injetarem na picada da pele sua saliva, por ser esta anti-coagulante e assim evitar que o sangue da sua vítima se coagule, injetam nesse ato também tais formas infectantes da Leishmania, a qual caindo na circulação sanguínea desse novo hospedeiro (chamado por isso hospedeiro definitivo), vai dessa forma reproduzir a doença, numa das formas clínicas anteriormente citadas.
► A Leishmaniose Visceral Canina (LVC) pertence ao complexo das Leishmanioses, que se caracterizam por um conjunto de síndromes complexas e multifacetadas causadas por diversas espécies do gênero Leishmania, transmitidas por insetos vetores que afetam tanto seres humanos como animais domésticos e silvestres, e estão distribuídas por todos os continentes, com exceção da Oceania e da Antártida.82
Ocorrência
► Leishmanioses no Homem
Atualmente, as Leishmanioses apresentam alta incidência e, em 1998, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a ocorrência de 12 milhões de casos, distribuídos em 88 países, dos quais a maioria são países em desenvolvimento.
Ainda assim a OMS reconhece que a sua notificação é grosseiramente subestimada e os números oficiais, são, em geral, obtidos por notificação passiva.
A incidência anual é estimada em 1,5 a 2 milhões de novos casos por ano, sendo 1,5 milhões de Leishmaniose Tegumentar (LT) e 500.000 de Leishmaniose Visceral (LV).
A entidade mundial estima que 350 milhões de pessoas estejam expostas ao risco da infecção pelas diferentes espécies de Leishmania. 9, 82, 83, 84 .
Os conflitos entre países em áreas endêmicas exacerbam a manifestação da doença.
Como exemplo podemos citar a guerra Irã x Iraque, quando tivemos cerca de 1 milhão de novos casos de LC.
Também, na recente guerra entre os EUA x Afeganistão, foram documentados em torno de 600.000 novos casos de LT.85
Desta forma, a alta incidência da doença com evolução de lesões desfigurantes (tegumentares) e às vezes fatais (viscerais) levaram a OMS a incluir esta doença entre as seis mais importantes endemias do mundo, estando presente nas Américas, Mediterrâneo (Europa), Oriente Médio, África e Ásia. 82
O Brasil situa-se em posição desconfortável perante todas as formas da doença e é incluído pela OMS entre os países com maior incidência dos casos.
Assim, é descrito pela entidade mundial de saúde que 90% de todos os casos de LV ocorrem em Bangladesh, Brasil, Índia e Sudão e 90% dos casos de LT ocorrem na Afeganistão, Bolívia, Brasil, Irã, Perú, Arábia Saudita e Síria 83.
Um aspecto relevante das Leishmanioses, particularmente a forma visceral, é a de se situar entre as doenças oportunistas que atacam indivíduos HIV-infectados. 82
► Leishmaniose Visceral Canina no Brasil
O cão é o principal reservatório da LV no velho e no novo mundo.
De forma geral a enzootia canina tem precedido a ocorrência de casos humanos e a infecção em cães tem sido mais prevalente do que no homem em todo o país.16